quarta-feira, 15 de outubro de 2008

"Revolta"

Teia
que  enleia,
me enreda,
no turbilhão de ideias,
no grito abafado,
na revolta contida
da palavra calada
que sangra a ponta da lingua,
que greta nos lábios...
Respiração acelerada,
entre cortada,
que ameaça a lágrima,
o choro,
no nó preso que embaraça a garganta...
Dor na dor
de sentir a dor da revolta...

AV

terça-feira, 14 de outubro de 2008

"Aragem..."

Não sou de ninguém,
nem de mim, sequer,
não sou de tempo algum,
sou, somente, miragem,
mero sonho apenas...
Nada tenho,
nem nome de meu,
sou hiato entre o ser e o existir,
palavra,
sou vontade, sensibilidade...
Sou nada, do nada que sou,
vento norte,
sou, simplesmente,aragem
que passa, e, da qual
não restará marca...


AV

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

"Poema inacabado"

Esvoaçam
pelo pensamento,
soltas,
vibrantes,
as palavras,
escapam-se-me
em bandos
arredios...
Voam
para parte incerta
no recanto
da fantasia,
mergulham
em odes,
sonetos,
epopeias desmesuradas
em busca
de um fim,
de um destino...

AV

"Nostalgia"

Nostálgico amigo
que na quietude do Tejo
abarcas tua saudade
dos tempos de outrora,
e recordas, e comparas,
Lisboa, aqui, agora...
Os homens que,
pela vida,
te manobraram,
que o Tejo te conheceram...
Recordas,
com paixão,
o alegre farfalhar
de vozes com que,
pela manhã,
as varinas te brindavam,
relembras, embevecido,
o andar, gingão,
como que embalado,
dos homens que,
vindos das sete colinas,
te vinham adornar
numa cadeia
com seus corpos
ansiosos e viris...
Abarcas,
ainda,
meu saudoso cacilheiro,
a nostalgia deste fim de tarde
e recordas,
com saudade,
o dia que,
uma vez mais,
termina
deixando no sabor da maresia
a doçura
de um passado
que retorna...

AV

"Obra"

O tempo passa,
a vida é rio
que caminha para a foz,
delírio de sonhos
não assinalados em mapa algum...
Passa o tempo mas tu te retens,
meu companheiro,
meu amigo marceneiro,
que, com que mestria,
redesenhas formas
esculpindo em virgem madeira
profanos corpos apelando ao profano,
de prazer, sedento...
Com que atento olhar
perscrutas tua obra,
até branca roupa,
nos varais esparramada,
te vem espreitar,
calam-se escadarias,
escutam-se tuas preces
não mais ditas,
é ardùo teu moirar
mas feliz teu sorrir,
amparado, ainda, por negro bigode
que tantos beijos terá roçado,
é tua atenta testemunha parede,
pelo tempo, despida
pois grande é tua obra
pequena tua vida...

AV

"receita de um poema"

Ingredientes:

Uma boa dose de palavras
Sentimentos a gosto
Doçura quanto baste
Sensibilidade acentuada

Para decorar:
Alma imensa

Preparação:
Pega-se
nas palavras,
toma-se-lhes o peso,
testa-se-lhes o gosto,
a textura...
Manuseandoa-as,
delicadamente,
adiciona-se-lhes,
em boa dose,
os sentimentos
envolvendo-os,
nas palavras,
com tempo
e ternura,
mistura-se,
seguidamente,
o toque de doçura
em medida
de quanto baste
bate-se,
então,
misturando
sensibilidade acentuada,
depois,
de tudo envolvido,
testa-se ao paladar...
Cozinha-se
com vagar
e,
para rematar,
decora-se
com alma imensa...
E assim
se obtém
um poema
sempre pronto
a recitar...

AV