sábado, 27 de setembro de 2008

"Sussurros"

Sussurrando segredos,
como vizinhas que são,
se expõem sem medos
e falam com emoção...
Com histórias de dias passados
emudecem suas vozes,
perdidos julgam já
seus tempos idos
e espreitam,
espreitam humildemente,
o dia vindouro
como quem espreita
a hora seguinte,
já não mais receiam desaparecer,
o tempo,
esse terno sábio,
assim as fez saber...
Sussurram,
as velhas casas,
e perguntam à calçada
o dia que passa,
conspiração muda
de tempos antigos...
"É hoje sábado vizinha,
iremos amanhã à missa"
parecem murmurar
recolhendo-se, então,
ás portas da noite
que chega...


AV

"Lisboa"

Meu tempo cruel,
de sedução incomedida de vontade
no despir de teu corpo
por tanta lágrima pelo céu derramada,
tua cor pelo sol consumada,
secreta vivência pela vida declamada...
Exíguo é meu escrever
perante tal fulgor,
é querer, e não querer,
de quem não faz qualquer favor...
E é tal tua majestade
em cada célula de teu corpo
de pedra esculpido,
Lisboa desperta,
que pequeno é meu engenho
para descrever Lisboa
cidade aberta...



AV

"Varina"

Canta Varina canta,
canta e encanta,
liberta teu pregão
e que eterno seu eco seja
nos poros da viela,
que teu fado,
tua sina,
por todo o sempre,
ressoe por entre as pedras da calçada
que teu cheiro,
teu corpo se perpetue
por minhas palavras,
embora parcas e pobres
para reter tua beleza...
Amanhas peixe
como quem faz afagos
e é poema tua voz
que pintor algum
pintar poderá,
desenha na almas
novo caminho
e nos enleva
ao altar da humildade
fazendo-nos sentir nada
no aparente nada
que crês tua vida...
E escamando,
amanhando teu peixe
conquistas cada minuto
da tua existência
como quem conquista
uma batalha mais
sendo mais honrada tua luta
e amorável tua vitória...


AV

"Olhar"

Quanta sabedoria,
quanta mágoa velada,
que tu,
Lisboa,
em um pestanejar revelas...
São olhos que
nada ocultam,
são olhos marcados,
cansados,
marcas de um tempo que,
sem o quereres,
nos relatam histórias
de outras eras,
de outras idas vontades,
impulsos caprichosos
de uma cidade que busca suas gentes
e as usa como adorno,
fêmea vaidosa
piscando o olhar
a seu corpo intemporal ...
Já muito hás vivido,
objecto de tantas paixões
te tornaste,
muitas lutas,
amores,
desamores,
suportaste...
Quanto de ti, Lisboa,
não rezará a história
em uma vontade imprópria
de uma raça que te adora...


AV